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10/10/2018 - Terceirização não garante novos empregos nem melhora de competitividade, diz procurador do MPT

O GBrasil fez sete perguntas essenciais sobre a Lei da Terceirização a Murillo Cesar Buck Muniz, procurador do Ministério Público do Trabalho, que acompanhou discussão da validade da norma sobre o tema no Supremo Tribunal Federal. Ele as respondeu de próprio punho e traçou um panorama sobre a questão, com seus possiveis desdobramentos judiciais a partir de agora

 
Aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, a Lei da Terceirização permite que as empresas terceirizem todas as suas atividades, inclusive na sua área específica de atuação, a chamada "atividade-fim". Uma instituição de ensino, por exemplo, cuja atividade-fim é a educação, passou a poder terceirizar professores, quando antes não podia fazê-lo.
 
Uma súmula no Tribunal Superior do Trabalho (TST), porém, proibia a terceirização da atividade-fim, o que gerava diversas ações trabalhistas questionando a validade da lei. Em julgamento concluído no fim de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a controvérsia: por 7 votos a 4, os ministros validaram a terceirização, determinando que a decisão norteasse o entendimento de todos os magistrados que já estavam julgando casos do gênero.
 
Embora tenha reforçado a mudança realizada pela Reforma Trabalhista de 2017, a decisão do STF não legitima a chamada "pejotização" – quando o trabalhador é terceirizado, mas tem que cumprir horários e regras como se fosse contratado normalmente – nem encerra definitivamente os debates legais sobre o tema, como explica o procurador do Ministério Público do Trabalho Murillo Cesar Buck Muniz, que acompanhou toda a votação do STF.
 
Muniz conversou com o GBrasil sobre o tema, traçando um panorama não só dos aspectos legais da decisão, mas do efeito prático que um aumento da terceirização pode ter sobre a produtividade das empresas e o aumento de ofertas de vagas no mercado de trabalho. 
 
1 -  O que muda, na prática, com a decisão do STF de que é constitucional empregar terceirizados nas atividades-fim das empresas?
 
Na prática, a decisão estimulará a terceirização em uma quantidade maior de atividades empresariais, consideradas finalísticas, ou que poderiam suscitar dúvidas quanto a esse aspecto, e que anteriormente não eram transferidas a terceiros em razão do entendimento jurisprudencial construído ao longo de anos na Justiça do Trabalho e constante da Súmula n.º 331 do TST.
 
Ademais, percebem-se equívocos na interpretação da decisão por determinados setores empresariais, no sentido de ampliar o seu alcance, para a "pejotização", por exemplo, mas como se verá adiante o STF não tratou disso.
 
Além disso, a decisão tem o potencial de ampliar as tentativas de fraudes por meio de uma formal e simulada terceirização, já que a configuração de vínculo empregatício em face do tomador de serviços será dificultada pela maior exigência de provas de pessoalidade e subordinação.
 
O cotidiano de trabalho no MPT tem mostrado, e há estatísticas que demonstram isso, muitas delas citadas no voto da ministra Rosa Weber, que a remuneração dos terceirizados é mais baixa; que eles são mais acometidos dos mais graves acidentes de trabalho e doenças profissionais ou do trabalho; trabalham por mais tempo; têm menor representatividade coletiva por sindicatos; estão mais sujeitos a condições degradantes e precárias de trabalho; mais sujeitos a contratações por períodos determinados e maior rotatividade e, portanto, têm menor proteção previdenciária.
 
E isso não é bom nem mesmo sob o ponto de vista econômico, pois não gera aumento de produtividade e eficiência, diminui a capacidade do mercado consumidor interno (que, no Brasil, é importante motor da economia) e gera aumento de custos com saúde e previdência, além de gerar redução de arrecadação tributária.
 
2 -  O entendimento que prevaleceu no STF é que proibir a terceirização da atividade-fim prejudicaria a competitividade e o resultado das empresas, assim como também dificultaria a criação de novos empregos, diante da realidade atual do mercado de trabalho. Qual a sua visão sobre isso?
 
Infelizmente, no Brasil, a terceirização é muito mais utilizada como forma de redução de custos trabalhistas do que como meio de ganho de eficiência e produtividade pela transferência de atividades acessórias e especializadas a quem tem know-how, com a finalidade de que a empresa se concentre em sua atividade principal, ou finalística, a ser exercida pelos próprios empregados, cada vez mais capacitados para as suas tarefas. Por isso, pela própria definição de terceirização, extraída das ciências econômicas e de administração de empresas (não é uma definição jurídica), o ganho de eficiência e produtividade decorreria da concentração da empresa em suas atividades principais.
 
A terceirização com a finalidade de redução de custos trabalhistas, ou tributários, não é fator de aumento de produtividade econômica, mas de concentração de renda, já que tende a aumentar o lucro empresarial, cuja distribuição não sofre incidência tributária e diminui a remuneração dos trabalhadores, sobre a qual incidem impostos e contribuições previdenciárias.
 
Considerando, ainda, que normalmente a terceirização implica maior quantidade de trabalho para uma menor remuneração – e é assim que tem ocorrido na prática no Brasil –, a tendência é de diminuição (e não aumento) de empregos, pois a empresa produz com um menor número de trabalhadores e com o menor gasto possível.
 
Não há qualquer evidência científica ou estatística de relação entre ampliação de hipóteses de terceirização e aumento de níveis de emprego. Existe, sim, evidência de que crescimento econômico gera emprego, já que com o aumento de demanda, há necessidade de maior produção e, portanto, de mais empregos. É nítida a correlação entre períodos de crescimento econômico e diminuição de desemprego, mas não existe nenhuma demonstração de que a redução de custos trabalhistas determina a criação de empregos. Ninguém contrata só porque é mais barato, as empresas contratam quando precisam aumentar sua produção para atender à demanda. E, como já dito, a redução de remuneração de trabalhadores prejudica o mercado de consumo interno, o que prejudica a demanda e, assim, sucessivamente.
 
Assim, se efetivamente se confirmar o aumento da terceirização, estimulado pela decisão, o resultado será o inverso do pretendido.
 
3 -  A decisão do STF abre caminho para a terceirização em qualquer hipótese, inclusive naquelas em que o terceirizado tem de cumprir, por exemplo, regras e horários diários, como um empregado comum?
 
Não. O STF deixou muito claro, pelos votos de diversos ministros, que a decisão não autoriza a intermediação de mão de obra, nem a fraude, tampouco prejudica a atuação da fiscalização do trabalho, MPT ou Justiça do Trabalho. Os artigos 2º, 3º e 9º da CLT permanecem vigentes, sua constitucionalidade jamais foi questionada e creio que jamais será.
 
Assim, a efetiva terceirização é aquela em que se transfere a confecção de um produto ou de um serviço, e isso deverá ser feito pela empresa contratada, pelos seus empregados. Se verificada a subordinação ou a pessoalidade diretamente com a empresa contratante, aplica-se o princípio da primazia da realidade, e o vínculo empregatício deve ser reconhecido diretamente com ela, pois, nesse caso, se trata de fraude, e não de terceirização.
 
4 -  A "pejotização" passará a ser a "norma" no mercado de trabalho brasileiro? O que o fenômeno da "pejotização" tem a ver com a "terceirização"?
 
É importante observar que a decisão do STF não tratou de "pejotização", mas exclusivamente de terceirização. É comum haver confusão nesse ponto.
 
Terceirização pressupõe uma relação entre empresa contratante (tomadora de serviços), empresa contratada (prestadora de serviços) e trabalhador (empregado da prestadora de serviços), portanto, com três sujeitos. É uma relação triangular, e o trabalhador, formalmente, é empregado da prestadora, e não "pessoa jurídica".
 
Já na "pejotização", tem-se a prestação de serviços de uma pessoa jurídica a um contratante, portanto, é uma relação entre dois sujeitos, bilateral. Se o serviço prestado pela pessoa jurídica é desenvolvido com autonomia e sem os demais requisitos do vínculo empregatício, a relação é regular, mas se há subordinação e pessoalidade direta e demais requisitos da relação de emprego, o vínculo empregatício deve ter reconhecimento com o real tomador de serviços, independentemente das formalidades, ou seja, de acordo com o que ocorre na prática.
 
A contratação de pessoas jurídicas tem sido muito utilizada como meio de fraude e redução de custos trabalhistas e tributários, quando presentes os requisitos da relação empregatícia. Esse expediente é ilícito e vulgarmente chamado de "pejotização". Mas a decisão do STF não tratou disso, mas exclusivamente de terceirização, que, como visto, é diferente, embora uma interpretação equivocada da decisão possa levar ao aumento dessa modalidade de fraude.
 
5 - A decisão do STF dá mais segurança jurídica à Reforma Trabalhista na questão da terceirização ou continua deixando problemas que resultarão em novos processos judiciais?
 
É importante lembrar que a decisão do STF se referiu a período anterior à Reforma Trabalhista e se entendeu que, nesse período anterior, é lícita a terceirização em qualquer tipo de atividade, inclusive finalística, o que invalidou o entendimento contido na Súmula n.º 331 do TST. Está ainda tramitando no STF uma ADI contra a Lei n.º 11.467/2017 (Reforma Trabalhista), proposta pela Procuradoria-Geral da República, no ponto em que autoriza a terceirização de atividade finalística, e essa ação não foi julgada, mas a tendência evidente é de que essa alteração legal seja julgada constitucional, adotando-se a mesma lógica da decisão em questão.
 
Dito isso, certamente haverá redução de debates na Justiça do Trabalho acerca de interpretação do que é atividade-meio e atividade-fim, pois isso será irrelevante para a resolução dos processos judiciais, mas não creio que reduza o número de processos tratando de fraudes a vínculos empregatícios, porque essas continuarão existindo – talvez aumente o número de processos trabalhistas com o tema pelo aumento possível da terceirização. A diferença, após a decisão, é que nesse tipo de ação judicial serão exigidas provas de todos os requisitos do vínculo empregatício e da fraude, que não serão presumidos, nos casos de terceirização de atividade-fim, o que tende a alongar a duração dos processos. Certamente, também, serão propostas ações rescisórias para rediscussão de processos já terminados, e as discussões serão renovadas em fase de cumprimento das decisões trabalhistas, em embargos à execução em razão da decisão do STF.
 
Além disso, num primeiro momento, haverá o ajuizamento de reclamações constitucionais perante o próprio STF, com alegações de que a Justiça do Trabalho está desrespeitando a autoridade das decisões do Supremo, e também haverá aumento do número de recursos extraordinários com alegações de descumprimento das decisões do STF. Mesmo que no processo envolvendo terceirização não se discuta atividade-meio ou fim, mas tão somente requisitos de vínculo empregatício, já que muitas empresas alegarão o descumprimento implícito da decisão do Supremo.
 
O efetivo alcance da decisão só poderá ser apreendido após a formação de jurisprudência do STF nessas reclamações e recursos extraordinários que virão, a exemplo do que ocorreu (e ocorre atualmente) no tema da responsabilidade subsidiária da administração pública. A ADC 16, sobre o tema, foi julgada pelo STF em 2010. Posteriormente, a Corte julgou um recurso extraordinário com o mesmo tema. E até hoje são milhares de reclamações ajuizadas diretamente no STF e muitos recursos extraordinários debatendo a questão. Enfim, a partir do momento em que o STF entende que uma questão é constitucional e a julga, possibilita novas ações e recursos para a própria Corte Suprema para discussão de interpretação e alcance da decisão, além da verificação do ajuizamento de muitas reclamações e interposição de muitos recursos sem fundamento consistente, sob a mera alegação de errônea aplicação da decisão do Supremo.
 
6 - Como tem sido a atuação do Ministério Público do Trabalho em relação ao assunto?
 
A decisão do STF evidentemente será observada e cumprida pelo Ministério Público do Trabalho, mas a atuação de combate às fraudes continuará, haverá a verificação de existência de efetiva terceirização (ou não) e de precarização das condições de trabalho. A produção de provas de existência de vínculo empregatício e de fraudes nas investigações serão aprofundadas.
 
As próprias Leis n.º 13.429/2017 e n.º 13.467/2017 trazem requisitos para a regularidade da terceirização, a exemplo da necessidade de especialização e da capacidade econômica da empresa contratada para a realização do serviço, esses e demais requisitos também serão investigados em relações que apresentarem suspeitas de ilícitos. A Conafret, que é a Coordenadoria Nacional de Combate a Fraudes Trabalhistas do MPT, já estudou a questão, divulgou manual de atuação, está capacitando membros e servidores e haverá monitoramento dos setores mais críticos, ou mais precarizados, e isso poderá ensejar atuações planejadas e estratégicas, com forças-tarefa ou grupos de trabalho.
 
7 - Como a discussão jurídica em torno ao tema pode evoluir daqui para frente? Há pontos que terão de ser discutidos novamente para uma melhor adaptação?
 
Além das consequências anteriormente mencionadas, em termos processuais, após a publicação da decisão, provavelmente serão opostos embargos de declaração na tentativa de esclarecimento de alguns pontos. Ficou claro que a decisão não atinge processos judiciais já transitados em julgado sobre o assunto, mas no próprio julgamento se iniciou um debate entre os ministros em relação aos processos já decididos com efeitos futuros, por exemplo. Outra possibilidade é que, após embargos de declaração, o STF module os efeitos da decisão, considerando que a Súmula n.º 331 tratou da matéria por muitos anos, para evitar insegurança jurídica e muitos novos processos e incidentes processuais anteriormente mencionados, que poderão decorrer da aplicação retroativa do entendimento.
 
Fique alerta: 
 
Para debater os impactos do primeiro ano de vigência da Reforma Trabalhista, o Ministério Público do Trabalho promoverá um seminário aberto ao público em geral, nos dias 12 e 13 de novembro, no Auditório da Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília.   
 
A palestra de abertura será ministrada pelo procurador-geral do MPT, Ronaldo Fleury, e pela ministra do TST Delaíde Alves Miranda Arantes. Saiba mais clicando aqui.  

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